quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Distanciar-se

Ontem recebi um convite, o de me distanciar, distanciar o olhar das coisas, dos atos, dos feitos, para poder analisá-los de um outro ângulo. Convite este, aparentemente singular, porém que causou um certo estranhamento, afinal, foi uma proposta de deslocamento, e a priori, uma situação difícil, pois, naturalmente procuramos nos localizar, fixar em determinados conceitos e atitudes, e ainda, jamais havia concebido a possibilidade de olhar de mim para mim.

Quando me vi assim por outro angulo e a certa distância, me deparei com uma pessoa que se propôs a dar voltas maiores na vida, até que os seus objetivos principais estivessem maduros. Percebi, na verdade que estes objetivos nunca existiram e que estas " voltas maiores" foram se ainda não são uma fuga. Talvez no ato deste contrato, estava eu um tanto jovem, com medo, incerto das realidades, sem bagagem cultural para questionar, sem argumentos, pronto a abraçar a causa da aparência, ou seja, um olhar fixo no horizonte, peito estufado esbanjando "coragem", a certeza de um campo a desbravar, porém, nitidamente vazio.

O vazio de todo não é uma coisa ruim, se imaginarmos que ele por si só convida ao " preencher-se", ou seja, se esta vazio precisa, e pede um preenchimento, neste sentido, o vazio é impulsionador, impulsionou-me pelo menos.

Aprisionado a está dinâmica de buscar um preenchimento constante, filiei-me as situações cotidianas, que surgiam aos montes, abraçava duas para a parte da manhã, deixava amarrada as da tarde e pendurava ao menos uma para noite, porém mal sabia eu que, pelo contrato, o esvaziamento possuía o mesmo ritmo, e os momentos, fases, situações eclodiriam desta forma, um eterno vazio. Existe aqui um amortecimento conceitual, uma substituição do sentido inicial da fuga por falta de objetivos claros pelo suposto valor de pequenas realizações. È claro que, neste contexto torna-se impossível perceber os caminhos, as trilhas as quais se segue e muito menos há um tempo para desenvolver as próprias.

Um filme inicia-se com um menino vendendo jornais, vidros quebrados, frutas roubadas dos quintais, refrigerante, gás de cozinha, frango de granja, ração, combustível, gerente de caixa, garçom, diretor de teatro infantil, técnico de multimeios, de informática, coordenador de grupo de oração, especialista em marketing, professor das áreas de comunicação e artes, designer de web, Analista do discurso.

De 8 a 37 anos são estas grandes voltas de vida, que percebo foram responsáveis por me per-fazer, se bem ou mal ainda não sei, o que sei é que este convite ao distanciar e ao deslocar-se de si causou um desejo, o desejo de descobrir-me, vencer os medos, criar caminhos mais puros e sóbrios, caminhos para os quais sobrevivi.

Devo aproveitar que não estou de todo vazio, para buscar um caminho que transborde poder e mistério, o poder do amor e o mistério da vida.

Franca, 10 de setembro de 2008.